Musicalidade
A Educação é simultaneamente uma certa teoria do conhecimento posta em prática, um ato político e um ato estético, disse Paulo Freire. E é sobre essas três esferas que nos debruçamos a dialogar sobre a teoria e a prática da arte. E quando tratamos de música na sala de aula, presente nos campos das instituições de educação, temos que pensar na potência social que envolve a arte. Mário de Andrade descrevia: a música é uma arte. E como tal, é uma expressão. Toda expressão sendo peculiar ao homem é para nós, homens, objeto não só de conhecimento, mas também passível de compreensão.
Música, musicalização, notas, silêncio, movimento, paisagens sonoras… entre tantas outras palavras expressivas que nos remetem aos sons. Musicalidade é como se fosse uma fermata, que nos faz pausar e refletir num certo tempo, preenchida de nossas experiências. Alguns autores remetem esse conceito de “musicalidade” aos sentimentos que expressamos através das ações musicais. E se de fato uma pessoa que executa um instrumento musical pode plenamente expressar a sua musicalidade quando está imbuída de sentimentos genuínos ou ela simplesmente executa um instrumento de forma técnica, sem nenhuma musicalidade?
A pergunta logo acima é respondida por diversos teóricos que definem a musicalidade como o resultado de expressões de nossos sentimentos musicais. Será ela, a musicalidade, aquilo que nos diferencia de um softwtare que produz músicas com perfeição?
Como continuidade de reflexão, surge outra pergunta: será que nascemos musicais ou nos tornamos musicais? Esta célebre questão que a pesquisadora musical, Johannella Tafuri, traz nos projeta a refletir sobre como iremos aprofundar ou mesmo estruturar processos educacionais de música. Notoriamente, existe um processo filogenético em nossa relação com o campo sonoro que nos permeia. E é nesta imersão sonora que nos prontificamos a embarcar.
A habilidade musical é adquirida através da interação com um meio sonoro, uma ação específica em relação aos sons musicais. A aquisição de novas habilidades e estruturas cognitivas se desenvolve conforme a idade da criança. O pesquisador de cognição musical, Jonh Sloboba, traz um conceito que elucida esse questionamento de nossa musicalidade, justamente relacionado a processos musico-educacionais no Ocidente. Sloboda descreve a enculturação como um processo de três fases. Primeiramente, possuímos um conjunto de capacidades que são primitivas (estão conosco desde o nascimento). Outro conjunto é adquirido nas experiências culturais à medida que as crianças crescem. E, em terceiro lugar, há o impacto de um sistema cognitivo geral que muda rapidamente, conforme o aprendizado de habilidades que tem base na cultura. A enculturação é o aprendizado fluido, como o próprio autor diz. As crianças pequenas não aspiram de forma consciente à progredir em sua capacidade de aprender canções, mas progridem mesmo assim. A grande chave entre a musicalização e o aprendizado de música é que, até os 10 anos de idade, esse processo de enculturação é a grande potência da música e, por isso, influencia a construção de bases sólidas para o desenvolvimento cognitivo como um todo. E, assim, é determinante que as crianças possam ampliar seu repertório e experiência cultural, para inspirar aquilo que já é inato e contribuir para que suas capacidades de escuta e percepção estejam afloradas no decorrer de toda a sua vida.
Nas aulas de música do colégio Pentágono, a equipe utiliza um repertório erudito e popular, em que os alunos aprendem a tocar de Beethoven à Luiz Gonzaga. Uma das estratégias para desvendar a musicalidade dos alunos é justamente trabalhar com a diversidade. Cada um de nós possui uma Identidade Sonora, afirma o autor deste conceito, o argentino Benenzon, que é referência na musicoterapia, uma área distinta do ensino musical, por se tratar de uma finalidade ligada à saúde do envolvido e não de um conhecimento ou habilidade específica ao qual nos referimos na educação musical. Mesmo assim, a Identidade Sonora, que é um aspecto humano, é composta pelos sons e movimentos internos que resumem nossos arquétipos e vivências sonoras gestacionais, intra-uterinas, de nascimento, infantis, até os dias de hoje. Essa unicidade que possuímos, relacionada à nossa história musical, aproxima-se com velocidade dos sentimentos relacionados à nossa escuta por um processamento auditivo, em um disparate da memória significativa, resultando, em muitos casos, em uma musicalidade plena, derivada da identificação. O que reafirma que, muitas de nossas habilidades musicais, nascem e se desenvolvem conosco. Por isso a importância de um repertório baseado na diversidade de gêneros e estilos musicais.
A educação proporciona relações extremamente potentes entre os envolvidos. E quando o prisma do interacionismo desperta entre todos os indivíduos a sensibilidade de uma escuta ativa, de uma comunicação efetiva, naturalmente, em uma aula de música, transporta à aproximação da musicalidade.
Uma das premissas a ser trabalhada na área de música do colégio é a escuta de sonoridades do cotidiano, as paisagens sonoras, um conceito que utiliza a percepção auditiva e de conteúdos das áreas de Geografia, História e Língua Portuguesa. Imaginar uma paisagem na época da escravidão e se perguntar: qual era a sonoridade em uma daquelas fazendas? Que sons ocorriam nas ruas naquele tempo? Qual a sonoridade dentro de uma floresta? E os poemas, como se transformam em canção? E lá vêm eles, os sons da rua!!! Músicas que criam significados pelo apelo das calçadas. Das brincadeiras, dos jogos. Em nossa instituição, não discutimos se a origem do Carnaval partiu das festas francesas, das ruas de Veneza ou das festas dionisíacas na Grécia. Utilizamos o Carnaval como uma brincadeira de roda, com canções de Braguinha e Chiquinha Gonzaga, com jogos que desvendam as baterias das escolas de samba e seus complexos arranjos percussivos. O mais importante é que os diversos gêneros das expressões musicais carnavalescas atinjam uma identificação que contribua com a sua musicalidade.
Refletir como a educação auxilia e proporciona a geração de uma musicalidade é um aprendizado-chave para a nossa escuta ativa. E, principalmente, nesse momento de festas carnavalescas, vale que todos os alunos do colégio e os leitores do jornal possam refletir sobre a escuta delicada que devemos aplicar sobre o nosso desvendar da musicalidade.
André Pereira Lindenberg
Coordenador de Música do Colégio Pentágono