VII Concurso Pentágono de Redação: os Direitos Humanos na contemporaneidade
A partir de uma concepção evolucionista, o filósofo australiano Peter Singer, em The expanding circle, aponta para a possibilidade de os seres humanos, como espécie, serem dotados de uma capacidade de ampliação de sua moralidade. A metáfora que dá título ao livro nos permite imaginar um círculo que contempla todos aqueles que julgamos dignos de solidariedade, isto é, o conjunto de seres – humanos ou não – merecedores de nossa consideração moral.
De acordo com o autor, pelo menos ao longo dos últimos séculos no Ocidente, esse círculo está em constante ampliação. Suas fronteiras passam a abranger não só o indivíduo, mas também a família; da família, passa-se à tribo; da tribo, a todo um país; e, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passa-se a considerar, também, toda a humanidade.
E isto não é trivial: em toda a história humana – e aí vão centenas de milhares de anos –, a noção de igualdade jamais foi sequer considerada como possibilidade. Tome-se o Brasil como exemplo: quantos governantes aceitariam, no século XIX, que um negro tivesse os mesmos direitos constitucionais de um branco? A escravidão, até 130 anos atrás, não era simplesmente uma prática: era lei.
Assim, são evidentes alguns sinais de progresso. Pode-se dizer que, hoje, considera-se indigno que um sistema de justiça puna de modo desigual indivíduos de etnias distintas. Embora muitas iniquidades ainda sejam visíveis, uma Constituição formulada a partir de preceitos de desigualdade explícita seria publicamente rechaçada. Como nota Antonio Candido em “O direito à literatura”, apesar da barbárie ainda presente, “não se vê mais o seu elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser ocultado e não proclamado”.
Tanto Singer quanto Candido, partindo de premissas bem distintas, veem com olhos otimistas o que se fez a partir do fim da primeira metade do século XX: diante da catástrofe do Holocausto, o mundo ocidental pareceu notar do que somos capazes quando nos falta solidariedade em relação ao próximo. Se não se vê em um judeu – para ficar no exemplo da Segunda Guerra Mundial – um indivíduo digno de direitos mínimos, Auschwitz pode ser, na opinião de alguns de nós, uma consequência bastante plausível.
É nesse sentido que os Direitos Humanos caracterizam um verdadeiro ponto de inflexão dos nossos tempos: trata-se do ideal revolucionário de considerar que nenhuma pessoa pode carecer de liberdade e de sua própria vida. Logo, quando se garante a humanidade daqueles que julgamos serem os piores entre nós, garantimos a de qualquer indivíduo. Inclusive a nossa.
Por isso, sempre que consentimos com a violação dos direitos de outrem – até mesmo de criminosos –, é preciso ter em mente que os nossos podem ser os próximos a serem violados.
A consolidação dos Direitos Humanos trouxe, então, desde o colapso do nazismo, uma sensível melhora nos padrões de vida da maioria das pessoas: uma grande expansão do círculo de solidariedade. Ainda que pareça contraintuitivo – pois o senso comum sempre nos leva a observar nosso mundo como cada vez pior –, os índices de violência ao redor do planeta são, em média, muito mais baixos do que jamais foram, as taxas de mortalidade infantil decaem e a expectativa de vida é maior a cada ano.
Estamos distantes do paraíso, é claro. Soa absurdo falar nesses dados diante do que se vê na Síria ou da violência nas grandes cidades brasileiras, mas, sob quase qualquer dado tomado como parâmetro, vivemos em uma sociedade, a despeito do que parece, mais pacífica e próspera. Paz e prosperidade estatísticas, mas ainda assim consideráveis.
Tudo isso dito sem negar o longo percurso que temos pela frente e sem julgar que estamos, como queria o positivismo, em progresso inabalável: a noção de igualdade é questionável para muitos e, como se sabe, os Direitos Humanos são muitas vezes representados negativamente por boa parte da população. “Direitos Humanos a humanos direitos”, ouve-se.
Nada do que conquistamos está, por óbvio, garantido.
Ainda convivemos com desigualdades de todas as ordens: entre homens e mulheres, entre brancos e negros, entre heterossexuais e homossexuais. Ainda vemos cenas de linchamento e de justiça feita com as próprias mãos. Ainda vemos políticos sendo tratados com regalias a que outros cidadãos não têm direito.
Ao que parece, ainda dói aceitar a igualdade do outro.
Vivemos, como recrudescimento dessa realidade, um momento particular de nossa história, em que o tecido social costurado desde a Declaração parece dar sinais de esgarçamento: o ódio aos refugiados, a eleição de populistas totalitários ou a marcha de supremacistas brancos nos EUA em 2017 deveriam acender sinais de alerta. No exemplo local, a execução fria de Marielle Franco – que não se trata de exceção, mas de emblema – deveria constranger a todos nós.
É justamente com esta dupla justificativa – por um lado, a importância dos Direitos Humanos para a construção de uma sociedade mais justa; por outro, a percepção de que vivemos um profundo mal-estar quanto à manutenção de conquistas tão essenciais –, que anunciamos o tema do VII Concurso Pentágono de Redação: os Direitos Humanos na contemporaneidade.
Na esteira do discurso veiculado pela Base Nacional Comum Curricular, de forte dicção humanista – com competências e habilidades associadas à tolerância –, pediremos o exame dos valores presentes na Declaração, investigando como eles estão imbricados em nossa sociedade atual. Exigindo textos de diversos gêneros discursivos, objetivamos abrir mais um espaço para os nossos jovens exercerem sua cidadania e perceberem que os Direitos Humanos fazem prevalecer a convivência harmônica entre todos.
É de fundamental importância, portanto, que os alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio participem, no dia 11 de maio, do Concurso deste ano, para valorizarmos a vida humana, compreendermos as diferenças e ampliarmos, cada vez mais, o círculo de solidariedade.
Bruno Alvarez
Coordenador de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio no Colégio Pentágono